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Dança Circular: a Experiência que se Apresenta – um Modelo de Linguagem Plástica como Aproximação à Experiência Estética

A Dança Circular, sabidamente expressão das artes, explicada como um modelo de símbolo apresentativo pela via da psicanálise.


Publicado em 02/01/2017

Tatiana Gorenstein


Entre uma folga e outra que dei aos meus pés com o intuito de deixar o corpo descansar da rotina de danças, me deparei com um livro que ganhei de presente, escrito por um mestre do meu apreço. Da aproximação com o estudo acerca de qualquer tema da clínica deste autor, duas improbabilidades: não se envolver e não ter o rasgo de compartilhar os recentes achados. Ainda mais quando parecem ter vizinhança com aquilo que você mais gosta na vida: as Danças Circulares.

Convoco os aportes de Gilberto Safra (1) acerca da sua abordagem sobre o símbolo. Segundo conhecimentos do autor o símbolo tem pelo menos duas modalidades. Uma delas é a função representativa, cuja finalidade é representar. No entanto, já a conhecemos e não nos interessa aqui e agora. Porém, apenas para facilitar a distinção entre ambas as modalidades, são exemplos representativos: as imagens e o discurso – pela linguagem verbal – que se encontram associados à atividade intelectual.

A outra modalidade é a função apresentativa. É a que tange as Danças Circulares, ao aludir à dança como expressão das artes. E é a ela que vamos nos ater. Safra cita duas autoras que contribuem acerca desse tema.

Sobre Marion Milner, ele compartilha que a modalidade apresentativa foi introduzida no campo da psicanálise justamente porque este entendimento faltava aos psicanalistas para compreender a dimensão não-verbal da comunicação inter-humana (2006, p. 42). Em sequência o autor expõe o pensamento de Susanne Langer – que nos interessa por focar o campo das artes. Segundo ele, a autora revela que o símbolo apresentativo costuma aparecer mais frequentemente no âmbito artístico. Assim sendo a música, a dança e a pintura são exemplos desse símbolo (2006, p. 42).

A função apresentativa não representa, ela apresenta: uma experiência. Um símbolo como a dança nos proporciona, igualmente, uma experiência. Poderíamos, da mesma forma, passar por uma experiência musical – o que também pode ocorrer no universo das danças, posto que geralmente movimentamos nossos corpos levados pelo som da música.

E de que se trata tudo isso? Ao contrário do conceito da representação, a ideia apresentativa mora na apresentação. O que se apresenta então? A experiência estética. Segundo o autor, podemos nomear esse tipo de experiência como tal. Pelo viés da filosofia, entende-se “estética” como aquilo que trata do belo e do fenômeno artístico, ou como a ciência das faculdades sensitivas que consiste na apreensão da beleza e das formas artísticas. (2)

Esse tipo de experiência corresponde ao alcance de um saber não-intelectual. Ora, se o saber não é intelectivo, como se dá? Justamente: pela via da sensibilidade. Mas então que saber é esse? Safra afirma que o símbolo apresentativo se direciona ao canal da sensibilidade. Portanto, tais símbolos adotam essencialmente a linguagem plástica. E vale retomar, pela via da sensibilidade. O que justifica que o alcance a que se chega a partir de qualquer experiência estética habita a corporeidade. Essa experiência corresponde a um saber sensitivo que existe na corporeidade. O acesso é o corpo. O saber, então, não é o intelectivo e sim um saber sensitivo. Sendo assim, o autor pontua que a matriz fundamental do símbolo apresentativo é o corpo.

Para aprofundar nosso entendimento sobre a questão apresentativa vale inteirar-se da apropriação das autoras Ramos e Malzyner acerca da contribuição de Langer (3):

Para Langer (1989), a obra de arte é uma interpretação simbólica complexa da vida emocional em uma forma que possibilita a apreensão do “ser”, mais do que a compreensão do seu significado. Os símbolos não verbais articulam as formas e texturas da experiência vivida, mais do que sua definição racional, e, como mostram a similaridade em forma analógica, ela os chama de “símbolos apresentativos”. A arte não descreve a experiência, mas a oferece diretamente aos sentidos através de formas icônicas (Langer, 1989 apud Ramos et al., 2009, p. 126).

É fato que nas Danças Circulares experienciamos um saber pelo corpo. Identifico a Dança Circular como um símbolo apresentativo, que nos permite acesso à experiência estética por meio da linguagem plástica. Tudo passa pelo corpo. É um caminho de duas vias. A experiência nos chega via sensibilidade corpórea, ao mesmo tempo em que toma lugar – também na corporeidade – para se expressar de dentro para fora, e, imprimir, a partir daí, aquilo que se nos apresenta.

Visto que a peça-chave de todo esse processo é o corpo, é fundamental que cuidemos para que se mantenham viventes e presentes os nossos corpos. E desta forma, conectados à possibilidade da experiência que está para se manifestar. Sem dúvida o corpo é o meio expressivo pelo qual cada um de nós revela sobre como o mundo nos afeta.

Como participante de longa data das Danças Circulares, além de focalizadora e coreógrafa, antes mesmo do encontrão com a leitura inspiradora deste artigo –– sabia e não sabia sobre a íntima relação da dança com a sensibilidade. Muito provavelmente este saber se deu via corpo – ao que não me dei conta até então – e ali ficou guardado. Confesso que somente a partir da leitura que me chegou é que esbarrei com: “Sim, eu sabia!” e logo em seguida: “Mas onde?”. Claro, no corpo!

Por fim, pela forma como mantemos nosso estilo de vida atual, não criamos espaço para que nossa dimensão existencial possa estar. Dessa forma, aprimoramos apenas nossa possibilidade funcional, em detrimento da essencial; já que damos demasiada “vez” ao já mencionado sistema intelectual. Entendo, portanto, que a Dança Circular se distingue e se destaca como um instrumento viabilizador da manutenção do corpo vivo e apropriado da sua possibilidade essencial.

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(1) Gilberto Safra é psicanalista. Distingue-se por uma abordagem original da situação clínica, que tem raiz no pensamento de Winnicott, que se integra a uma proposta que expande e redimensiona a prática psicanalítica para o campo da ética, da condição sociocultural, da arte e da espiritualidade.

(2) Verbete consultado no Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Michaelis (versão digital).

(3) Langer, S. (1989). Formas discursivas e apresentativas. In S. Langer, Filosofia em nova chave (pp. 87-109). São Paulo: Perspectiva.

Artigo publicado em 02/01/2017 no site www.dancacircular.com.br

Editado em 28/02/2024.

Tatiana Gorenstein: Psicóloga, Gestalt-Terapeuta e Focalizadora/Coreógrafa de Danças Circulares.

Referências:

SAFRA, G Hermenêutica na situação clínica: o desvelar da singularidade pelo idioma pessoal. Edições Sobornost, São Paulo, 2006.

RAMOS, H. de M. et al. Psicanálise e mistério. O sonho de Nick Bantock. Periódicos Eletrônicos em Psicologia. IDE, São Paulo, 32 [49], p. (122-134), dezembro, 2009. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ide/v32n49/v32n49a13.pdf

 

 


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