Onde mora a espiritualidade? Dentro dos gestos ou naquilo que move o gesto? Será a ação que a conduz ou o perfume que embala a ação?
Na minha vida, a espiritualidade bateu à porta bem cedo, quando eu ainda não estava pronta pra entender seu nome. Ela me visitava em pequenas doses de significado, quando sentia meu corpo vivamente conectado com o vapor da alma.
Eu tinha muitas perguntas. Ainda tenho. Sobre o sentido das coisas, sobre os acasos que definem, e afinal: porque estou neste mundo? E que força é esta que me eleva ou me sucumbe?
Onde mora a espiritualidade? Nas regras que ditam, nos rituais que se perpetuam, nas crenças que viram verdades? Será que a espiritualidade nasce com a gente ou se conquista? Todos têm e alguns não sabem ou é dádiva dos escolhidos?
Apesar de tantas questões, não foi na religião que minha espiritualidade encontrou sua casa. Sou de família judaica e não tive uma educação rigorosa, graças à visão moderna de meus pais. Minhas raízes foram plantadas na tradição familiar, no amor em volta de uma linda mesa de refeições, nos sabores das festas judaicas e humor tão peculiar.
Mas tinha a música e a dança. Ah!!! Eu sabia que Deus existia quando a música entrava nos meus poros! E dançar "hoira" (aquelas danças em roda) nos casamentos judaicos sempre foi o elixir dos Deuses! Sentir aquela conexão através dos tempos, unindo gerações e histórias na mais genuína alegria era talvez a resposta mais próxima para minhas inquietações. Nestes momentos eu sentia que era pura vida manifestada! Tudo era conectado e único, na simplicidade que o sagrado exige.
Lembro de uma vez, com 18 anos, em uma aula de movimentos de Gurdjjeff ( um dos importantes caminhos de busca interior que percorri), enquanto tentava, ao som do piano, seguir os gestos e silenciar a mente para ancorar a presença, fui banhada por uma clara certeza: amor e comunhão. Novamente, pura vida manifestada. Ali estava uma verdade que descobri e que silenciosamente guiava meus próximos passos.
Décadas mais tarde encontrei a Dança Circular Sagrada, depois de passar também pela Psicologia e Xamanismo. Foi então que o universo me respondeu e eu já tinha maturidade para ouvir. No círculo e na música é onde a minha espiritualidade se manifesta com todo o seu esplendor. Em especial perto da natureza, dançando sob árvores, mirando o céu, ouvindo o som dos pássaros e das cigarras. É nesta casa que escolho morar, com paredes móveis e movimentos contínuos. Um espaço infinito de aprendizagem, ancorado no ritmo coletivo que dá voz à minha marca pessoal de existência. Nesta casa sei quem sou, e brilho toda a luz que qualquer ser humano deve brilhar. Porque não nascemos pra morar na escuridão, eu acho. Existe esse pedido da vida, de que a luz se manifeste. Esse pensamento tem a ver com religião ou espiritualidade? Ou os dois? Ou nenhum?
E mais perguntas: entre a espiritualidade e a religião há mais pontes ou mais muros? Todos os que se consideram religiosos tem espiritualidade? Todos os que se consideram com espiritualidade são religiosos? Afinal... O que é ser religioso? A religião ajuda a aflorar a espiritualidade? Ou a espiritualidade leva a buscar respostas na religião?
Quais os caminhos que abrem e quais fecham a nossa busca interior? Porque alguns se sentem bem fazendo algumas práticas e outros não?
Tenho um caldeirão de perguntas. Mas com quase meio século de busca incessante, cheguei a alguns princípios que me norteiam e acalmam.
Cada caminho é preciosamente único e verdadeiro. Que não me venham ditar as letras dessa história, porque os passos de cada jornada devem ser trilhados exclusivamente pelos pés que a percorrem.
Não é importante concordar. O que vale é aceitar. Compreender e não julgar. Acolher em vez de afastar. Desde que tenha verdade nas perguntas e abertura para as respostas, qualquer caminho tem a validade da existência. Se todas as flores exalassem o mesmo perfume e tivessem as mesmas cores e formas, o jardim ficaria triste.
A espiritualidade pode vir em várias embalagens, mas sua essência é simples. No momento em que a tocamos, nos irmanamos. Independente de como chegamos lá, seja por atalhos ou avenidas largas, por planejamento, disciplina ou acaso, o nosso coração sente e sabe quando aterrissamos nossas asas nesse céu estrelado. A partida é plural, a chegada é singular. Porque o sentimento alcançado é puro, transparente e individualmente coletivo.
A dança da espiritualidade encontra todos os ritmos e passos. Pode ser em roda, sozinho ou em pares. A música pode ser suave ou forte, expansiva ou meditativa. A experiência pode trazer alegria ou introspecção. Pode ter explicação ou ser simplesmente um aroma sem nome. Seus passos podem ser fáceis e diretos ou tortuosos e complexos. Da valsa ao bolero, do mantra ao samba, do frevo ao clássico... a espiritualidade se faz presente no pulsar do coração!
Este texto é dedicado à minha filha de 21 anos, que tão lindamente tem dançado a sua busca.