Quando Quando eu era pequena, gostava muito de brincar de ciranda cirandinha. Eu não entendia porque exatamente era tão gostosa essa brincadeira singela e repetitiva. Mas era comum, na hora do recreio, a turminha se reunir em roda e cantar essa e outras músicas que relembram tempos de antigamente.
Cresci e esqueci. Os adultos costumam esquecer essas coisas importantes, por não acharem importante. É de se pensar nisso... em quantas coisas significativas esquecemos, pelo simples motivo de não ter motivo.
Acontece que a vida, nesse “ir crescendo”, coloca à nossa frente situações que nos fazem lembrar. De repente, por sorte, merecimento ou alegria, somos conduzidos para lugares e pessoas que abrem dentro da gente portinhas que estavam trancadas, empoeiradas e esquecidas. Como é curioso encontrar verdadeiros salões que moravam dentro da gente e que nem habitávamos! Saber que eles estavam aqui, dentrinho do nosso ser, silenciosos, transparentes e adormecidos!
Aí acontece um “encontrão”, um “esbarrão”, que chacoalha tudo como se fosse um liquidificador de memórias e sentimentos, e tudo sai do lugar. O que era importante se torna irrelevante. A rotina pede urgência de encontro e a noção do tempo escorrendo toma conta da dimensão do corpo e da alma.
Passei esse feriado por um verdadeiro “encontrão”, durante os quatro dias em que vivi no VII Encontro Brasileiro de Danças Circulares Sagradas.
Em todos os sentidos, este Grande Encontro me levou a um encontrão comigo mesma e com as pessoas a minha volta. A roda girou, girou e me levou para todas as rodas da minha vida, trazendo profundidade e beleza. Me espantei com a possibilidade de passar por um processo tão transformador, sem dor. Não sei por que nós achamos que para haver mudança necessariamente deve haver dor. Foi a primeira vez que senti que é possível chegar no profundo amor pelo caminho da beleza, suavemente, sem dramas. Fiquei espantada!
Dançar em roda traz a magia da infância, a pureza da criança, a leveza do brincar. Os movimentos do corpo refletem o viver em todas as suas nuances: dar e receber, pedir e agradecer, abrir e recolher, ser aceito e aceitar, andar e parar, cantar e silenciar, seguir em frente e andar para trás, começar e terminar, cansar e energizar, sorrir e chorar. A dualidade da vida está presente na Roda de Dança Circular Sagrada como um som invisível ou uma luz silenciosa, na dimensão do nosso ser que, inalcançável, nos alcança.
A música e o olhar, linguagens que só a alma entende, envolvem os dançarinos em uma atmosfera circular de desassosego e calmaria, liberdade e vergonha, medo e coragem. Novamente, a dualidade se faz presente em ritmo acelerado, enquanto o coração bate no seu próprio compasso, misturando-se a todos os passos.
Do meu mais puro dentro, abracei o todo. Do som mais meu, mergulhei no som de todos. Do meu gesto mais único, misturei nas mãos dos outros. De repente, não sabia mais quem era eu, porque tudo era tão grande e eu tão pequena. Mas como eu era parte, então eu também era expandida, do tamanho do vasto universo....
Tudo isso eu vivi. E sem que ninguém precisasse me explicar, compreendi. O verdadeiro sentido religioso se fez presente no centro, em volta, aqui e acolá. O caminho do amor é tão simples....
Lembrei, então, da minha criança cirandando e pensei: “Como é bom voltar pra casa!”